Apesar de ser prática já comum que moradores ministrem aulas em suas unidades, ou prestem algum serviço de forma pessoal e restrita, com a pandemia e a diminuição dos empregos formais tem sido mais facilmente notado que maior numero de moradores de condomínios residenciais passaram produzir em seus apartamentos produtos para venda por delivery e/ou retirada pelo comprador.
A análise dessa situação à luz da letra fria do art. 1.336, IV, do Código Civil, que diz ser dever do condômino “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.;” pode permitir a interpretação de que a pratica de fabricação dentro das unidades autônomas é proibida, pois desvirtua a finalidade da edificação, que no caso dos edifícios de apartamentos é residencial.
A definição da destinação da edificação consta da convenção condominial e ocorre ainda na aprovação do projeto pela prefeitura, de acordo com o PDU. Sua finalidade mais perceptível é a de estabelecer regras de convivência dentro do condomínio, compatíveis com a rotina de uma moradia, que demanda menor fluxo de pessoas, restringe regras para preservação do sossego em horários diferentes do comercial, define procedimentos de segurança compatíveis, entre outros exemplos.
Com a definição da destinação da edificação como residencial fica vedada a utilização da unidade autônoma para fins comerciais, como instalação de lojas, escritórios, fabricas, etc., que têm rotinas incompatíveis com a de um prédio de apartamentos, e que caso permitido comprometeriam a segurança, sossego e, possivelmente, a salubridade dos ambientes, o que é vedado pelo mesmo do Código Civil citado acima.
Os casos dos moradores que fabricam algum produto de forma artesanal em seus apartamentos, entretanto, não caracterizam, necessariamente, descumprimento da obrigação de “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação...”, prevista no art. 1.336, IV, do Código Civil.
A fabricação artesanal de algum produto nos apartamentos, aulas particulares, preparação de comida, serviços de costura ou corte de cabelo, etc., desde que feitos pelo próprio morador e sem implicar em alteração da rotina comum do condomínio, não desvirtua a finalidade residencial do edifício.
O trabalho em casa, inclusive, vem sendo incentivado nessa quarentena e nem por isso se aventa a possibilidade de comparar o apartamento a um escritório. Isso porque não é estar trabalhando em casa, ainda que exercendo as mesmas funções que exercia no escritório, que define a finalidade do local como comercial, mas sim a sua função primordial, que segue sendo residencial. Seria diferente se um proprietário de fato instalasse um escritório no apartamento e nele exercesse a profissão, atendendo clientes, alocando funcionários e estagiários, guardando estoque, expondo mercadorias, etc. Neste caso estaríamos diante da desvirtuação da finalidade da edificação.
Se considerarmos que uma atividade individual com fim de remuneração, praticada pelo morador, não desvirtua a finalidade da edificação, eventos decorrentes desta e que possam alterar a rotina do condomínio devem ser coibidos. Seria a hipótese de venda de comida ou outro produto por delivery, que implique em reiteradas entradas do entregador para retirada e transporte da mercadoria. Não há dúvida de que estaríamos diante de situação de alteração da rotina do condomínio, com enorme potencial de ofensa ao sossego e segurança dos demais moradores, direitos previstos no mesmo art. 1.336, IV, do Código Civil, que ainda prevê o direito à salubridade, que certamente estaria em risco com a pandemia, já que o acesso contínuo dos entregadores ou dos fregueses para retirada das mercadorias aumentaria a possibilidade de disseminação do novo coronavírus nos ambientes comuns do condomínio.
Como em tudo na vida em comunidade, é necessário bom senso ao avaliar se a atividade desenvolvida pelo morador com finalidade de remuneração pode ser compreendida, ou mesmo suportada, dentre as que se espera que ocorram em um condomínio residencial, ou se a mesma e as conseqüências desta desvirtuam essa finalidade e, por isso, devem ser proibidas.
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